Folha de São Paulo
Quase 1 milhão de famílias deixaram de receber a ajuda do
programa Bolsa Família no mês de julho graças ao aumento da renda do domicílio,
segundo dados do MDS (Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social),
responsável pela gestão da política.
Com isso, o número de beneficiários da política caiu de
20,5 milhões em junho para 19,6 milhões neste mês. Trata-se da menor quantidade
de famílias dentro do programa desde a reformulação implementada pelo governo
de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em março de 2023.
Considerando o período em que ele foi chamado de Auxílio
Brasil, no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o número é o menor
desde julho de 2022, quando havia 18,1 milhões de famílias contempladas, logo
antes do aumento do benefício mínimo de R$ 400 para R$ 600.
A secretária nacional de Renda de Cidadania, Eliane
Aquino, ressalta que a redução no número de famílias ocorre por razões
positivas. Segundo ela, 536 mil famílias atingiram o prazo máximo de 24 meses
sob a regra de proteção, que garante 50% do valor do benefício a famílias que
ultrapassam o limite de renda para receber o Bolsa (R$ 218 por pessoa), mas
ainda ganham abaixo de meio salário mínimo (R$ 759) por pessoa.
O dado indica que esses domicílios não só elevaram seus
rendimentos a partir de outras fontes, mas conseguiram manter o ganho extra com
alguma estabilidade, a ponto de não precisarem mais da ajuda do governo para
sair da situação de pobreza.
Caso essa situação se reverta no futuro e a renda volte a
ficar abaixo dos R$ 218 por pessoa, essas famílias têm retorno garantido ao
programa, com prioridade na concessão.
Outras 385 mil famílias passaram a ter rendimentos
superiores a meio salário mínimo por pessoa e tiveram o benefício cancelado,
pois não preenchem os requisitos para ficar sob a regra de proteção. Ao todo,
921 mil famílias deixaram o programa devido ao aumento da renda domiciliar.
“É isso que a gente quer, mesmo. Que a população, em
primeiro lugar, não tenha medo de assinar a carteira. A gente está rodando
alguns estados e fazendo diálogos, principalmente com as mulheres do Bolsa.
Ainda é muito forte na cabeça das pessoas achar que ‘se eu assinar a carteira
eu perco o benefício’. A gente está trabalhando para desmistificar isso”, diz a
secretária.
Outras 2,68 milhões de famílias ainda estão sob a regra
de proteção e, caso mantenham a suas fontes de renda fora do programa, poderão
ser desligadas no futuro.
Segundo ela, a divulgação da regra de proteção é uma
“informação que precisa chegar na ponta”, para que os beneficiários tenham mais
segurança para assumir postos formais de trabalho.
Nos últimos meses, o governo tem feito parcerias com
empresas para tentar incentivar a contratação de beneficiários do Bolsa Família
e pessoas registradas no CadÚnico. A avaliação no governo é que a iniciativa
tem dado resultado.
Das 11,7 milhões de admissões registradas de janeiro a
maio de 2025 no Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), principal
indicador do mercado formal, 2,01 milhões foram de beneficiários do Bolsa
Família, segundo cruzamento de dados feito pelo MDS. Isso significa uma
proporção de 17,1%.
Já os desligamentos de integrantes do programa somaram
1,4 milhão, o equivalente a 13,1% do total de 10,7 milhões de demissões no
mesmo período.
Entre o público do Bolsa, o saldo de emprego formal está
positivo em 606,4 mil, o que representa 57,7% do saldo geral do Caged (1,05
milhão). Segundo técnicos do governo, a participação maior no saldo do que nas
admissões e demissões indica que a permanência dos beneficiários do programa no
mercado de trabalho formal está sendo maior do que nos demais grupos neste
momento.
Em meio ao aquecimento do mercado de trabalho,
empresários passaram a atribuir ao Bolsa Família as dificuldades de encontrar
mão de obra disponível. O argumento é rejeitado pelo governo. “A gente precisa
fazer uma reflexão realmente se o problema é a família do Bolsa Família ou se
são as condições de trabalho. Que tipo de emprego está tendo no Brasil,
principalmente para as mulheres?”, diz a secretária.
Ela reconhece, porém, que ainda há uma questão a ser
melhor trabalhada: a elevada informalidade entre beneficiários do programa.
A professora do Insper Laura Müller Machado, colunista da
Folha, avalia que o número de famílias que deixaram o Bolsa em julho é
representativo, mas seria potencialmente maior caso houvesse um monitoramento
mais próximo de famílias que estão, justamente, em situação de informalidade.
Segundo ela, as visitas domiciliares podem ajudar no
acompanhamento e atualização da renda, mas os incentivos do programa também
precisam de ajustes. Sob o desenho atual, o trabalhador formal acaba sofrendo
uma espécie de punição no médio prazo, devido à saída do programa, enquanto os
informais conseguem acumular o benefício e a remuneração do traba
“Não é que o programa incentiva o não trabalho. Talvez
não seja essa a intenção, mas ele incentiva a informalidade”, afirma Machado.
Para a especialista, seria importante prever um desenho
que não transmita esse sinal de punição por encontrar um trabalho. “Quase um
milhão de famílias saíram do programa, e que bom, precisa ser celebrado. Mas a
família tem que sentir essa celebração. Então, em vez de retirar o benefício,
ou reduzir à metade, poderia dar um prêmio a elas e fazer um acordo de saída
mais suave”, diz.
Segundo ela, uma possibilidade seria oferecer aos
beneficiários um bônus, financeiro ou não, para quem consegue emprego formal,
além de uma redução mais gradual do valor do benefício. Hoje, o montante cai de
100% para 50% assim que há a colocação no trabalho com carteira assinada.
Em maio, o governo publicou uma portaria com mudanças na
regra de proteção para restringir o acesso e reduzir a duração dos pagamentos.
Agora, têm direito ao pagamento os beneficiários com renda entre R$ 218 e R$
706 por pessoa – ou seja, o teto da regra de proteção não acompanha mais o
salário mínimo. O prazo também caiu de 24 para 12 meses.
As novas regras foram aplicadas pela primeira vez no mês
de julho. Segundo o MDS, 36 mil famílias preencheram as condições e foram
colocadas sob a regra de proteção.
A saída de famílias do Bolsa não significa
necessariamente a redução de alcance da política, já que o espaço no Orçamento
pode ser usado para conceder novos benefícios a pessoas que estão em situação
de pobreza e preenchem os requisitos, mas ainda não estão na folha de pagamento
do programa.
Ainda assim, o desempenho de fato ajuda a reduzir a pressão sobre as despesas do governo. No início do ano, o Executivo negociou com o Congresso um corte de R$ 7,7 bilhões na reserva de recursos para o Bolsa em 2025, para acomodar o crescimento de outros gastos.
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