sábado, 8 de março de 2025

“Eu fico dois dias preso e saio”

 

Por Cláudio Soares*

A recente declaração do médico pediatra Fernando Cunha Lima, de 81 anos, acusado de abusar sexualmente de crianças na Paraíba, em que afirma ao ser preso, ontem, na região metropolitana do Recife: “Vou ficar só dois dias e saio”, revela não apenas uma postura desrespeitosa em relação ao sistema judicial, mas também uma afronta à gravidade das acusações que pesam sobre ele.

Essa situação demanda uma análise cuidadosa à luz do artigo 318 do Código de Processo Penal (CPP) e suas implicações.

O artigo 318 do CPP estabelece que o juiz “pode” substituir a prisão preventiva pela prisão domiciliar em circunstâncias específicas, que incluem:

I – pessoas maiores de 80 anos;

II – pessoas extremamente debilitadas por motivo de doença grave.

O uso do termo “poderá” no caput do artigo indica que a decisão do juiz é discricionária, ou seja, o magistrado tem a faculdade de optar pela prisão domiciliar, mas não é obrigado a fazê-lo. Isso significa que a avaliação do estado de saúde do acusado e as circunstâncias do caso são fundamentais para a decisão.

No caso do médico, a sua idade o encaixa no inciso I do artigo mencionado. Contudo, para que a prisão preventiva seja substituída por domiciliar, o acusado deve demonstrar que se enquadra em uma das condições elencadas, apresentando evidências concretas de que sua condição de saúde é realmente debilitante. A simples alegação de doença não é suficiente, é necessária a apresentação de laudos médicos que comprovem a condição.

É importante ressaltar que os requisitos da lei infraconstitucional não são cumulativos. Portanto, mesmo que o médico tenha 81 anos, isso não garante automaticamente a concessão da prisão domiciliar, especialmente diante da gravidade das acusações que enfrentam.

O crime de abuso sexual infantil é extremamente sério e gera uma preocupação crescente na sociedade sobre a segurança pública. O juiz deve considerar não apenas a idade ou a saúde do acusado, mas também o impacto de sua liberação na comunidade e o potencial risco à integridade das vítimas.

A declaração do médico, que parece desmerecer a seriedade do processo judicial, é uma afronta à Justiça. Tal postura, que se revela em sua confiança de que permanecerá apenas dois dias preso, reflete um deboche à dor das vítimas e à luta da sociedade por justiça. Essa atitude não pode ser ignorada pelo sistema judicial, que deve agir com rigor diante da gravidade das acusações.

O juiz detém o poder discricionário de decidir sobre a prisão domiciliar, mas deve fazê-lo de forma equilibrada, levando em conta tanto a condição de saúde do acusado quanto a gravidade das acusações. Em casos de crimes hediondos, como o abuso sexual de crianças, a tendência é que o magistrado seja ainda mais cauteloso ao considerar a concessão da prisão domiciliar.

Assim, a possibilidade de Fernando Cunha Lima ser colocado em prisão domiciliar depende da avaliação criteriosa do juiz sobre seu estado de saúde e das circunstâncias do crime que cometeu. O artigo 318 do CPP confere ao juiz um poder de discricionariedade, e essa decisão deve ser fundamentada, levando em conta tanto os direitos do acusado quanto a proteção da sociedade e das vítimas.

A sociedade deve estar atenta a essa questão, dada a gravidade das acusações e o potencial risco que a liberação do acusado pode representar às vítimas e testemunhas. O respeito à Justiça e a proteção das crianças devem prevalecer em qualquer decisão que for tomada.

*Advogado e jornalista

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