A prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL),
determinada ontem, pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de
Moraes, acontece em meio a um dos momentos mais delicados da relação entre o
governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a gestão do presidente
norte-americano, Donald Trump.
Ela ocorre após emissários brasileiros receberem os
primeiros sinais de abertura de canais de comunicação com o governo dos Estados
Unidos, em uma tentativa de mitigar ou reverter as tarifas de 50% sobre
produtos brasileiros anunciadas por Trump no dia 9 de julho. As informações são
do portal G1.
Na quarta-feira (30/7), o ministro das Relações
Exteriores, Mauro Vieira, se encontrou pela primeira vez com seu homólogo
norte-americano, o secretário do Departamento de Estado Marco Rubio. No domingo
(3/8), Trump deu uma nova demonstração de abertura e disse que Lula poderia
ligar para ele quando quisesse.
A decisão de Moraes, da segunda-feira, no entanto,
atingiu em cheio esses esforços, e o governo Trump já se manifestou contra a
medida.
“Colocar ainda mais restrições à capacidade de Jair
Bolsonaro se defender em público não é um serviço público. Deixem Bolsonaro
falar! Os Estados Unidos condenam a decisão de Moraes, impondo prisão
domiciliar a Bolsonaro, e vão responsabilizar aqueles que ajudam e incentivam a
conduta sancionada”, diz uma postagem no X (antigo Twitter) feita pelo
Escritório para o Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado
norte-americano.
Oficialmente, o governo não se manifestou sobre o
assunto, e a orientação entre ministros é a mesma que vigorava há algumas
semanas: evitar ruídos gerados pela situação de Bolsonaro que possam atrapalhar
as negociações com o governo norte-americano.
A ideia, segundo um integrante do governo ouvido pela BBC
News Brasil em caráter reservado, é continuar as tentativas de negociação com
os Estados Unidos para reverter ou mitigar os efeitos do tarifaço sobre
produtos brasileiros, que deve entrar em vigor na quarta-feira (6/8).
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, no entanto,
se dividem sobre se a prisão de Bolsonaro pode ou não afetar a aproximação
esboçada nos últimos dias entre Brasil e Estados Unidos.
Pausa e avanço
Um integrante do governo brasileiro, ouvido em caráter
reservado pela BBC News Brasil, disse que ainda não é possível saber se a
decisão de Moraes vai ou não afetar a tímida aproximação entre Brasil e Estados
Unidos.
Ele admitiu, no entanto, que, na semana passada, uma
suposta trégua nas ações do STF em relação a Bolsonaro foi aproveitada por
emissários brasileiros para tentar abrir canais junto aos norte-americanos.
A trégua mencionada por ele ocorreu após um dos momentos
de maior tensão entre os dois países neste ano.
No dia 18 de julho, Moraes autorizou uma operação de
busca e apreensão contra Bolsonaro em sua casa, em Brasília, e determinou
medidas como a proibição do uso de redes sociais próprias ou por terceiros. Ele
também proibiu que Bolsonaro se comunicasse com seu filho, o deputado federal
licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), por estar, supostamente, orquestrando uma
pressão internacional contra o Brasil.
Eduardo Bolsonaro se mudou para os Estados Unidos no
início deste ano e vem defendendo, publicamente, que o governo norte-americano
aplique sanções contra Moraes. Ele também chegou a comemorar, nas redes
sociais, a ameaça de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros feita por Trump.
No mesmo dia, o governo norte-americano revogou vistos de
viagem de Moraes e de outros ministros da Corte em resposta à operação contra
Bolsonaro.
“A caça às bruxas política do ministro Alexandre de
Moraes, do Supremo Tribunal Federal, contra Jair Bolsonaro criou um complexo de
perseguição e censura tão abrangente que não só viola direitos básicos dos
brasileiros, mas também se estende além das fronteiras do Brasil e atinge os
americanos”, argumentou Rubio em uma postagem nas redes sociais.
Segundo um integrante do governo brasileiro, ouvido pela
BBC News Brasil, a operação contra Bolsonaro no dia 18 de julho teria
dificultado os esforços de emissários brasileiros que tentavam se aproximar do
governo Trump.
Nos dias seguintes à operação autorizada por Moraes,
Bolsonaro fez aparições públicas e deu entrevistas que circularam nas redes
sociais. O comportamento do ex-presidente fez com que Moraes pedisse
esclarecimentos à defesa do ex-presidente, sob pena de prisão.
A defesa, no entanto, alegou que Bolsonaro não violou
nenhuma medida judicial. No dia 24 de julho, Moraes aceitou a argumentação dos
advogados do ex-presidente e decidiu não prender Bolsonaro.
A partir de então, transcorreram 11 dias nos quais
emissários brasileiros tentaram desbloquear os canais de comunicação com o
governo norte-americano.
Foi nesse contexto que o governo brasileiro conseguiu a
reunião com Marco Rubio.
Segundo a fonte ouvida pela BBC News Brasil, a posição
levada ao governo norte-americano era de que o Brasil seguia disposto a
negociar, mas não aceitaria interferências externas no julgamento de Bolsonaro.
Mais pressão adiante?
Na avaliação do professor de Relações Internacionais da
Fundação Getulio Vargas em São Paulo (FGV-SP), Matias Spektor, não parece ter
havido movimentos concretos de aproximação política entre Brasil e Estados
Unidos. Por isso, no campo político, a prisão domiciliar de Bolsonaro pode
levar a mais pressão norte-americana.
“Os esforços de aproximação foram na área econômica. Na
área política, não houve esse movimento de um lado ou do outro. Nesse contexto,
Trump pode, sim, manter ou até mesmo aumentar sanções contra membros da Corte e
(adotar) outras medidas”, diz Spektor à BBC News Brasil.
Já o conselheiro do Centro Brasileiro de Relações
Internacionais (Cebri) e professor da Universidade de Harvard, Hussein Kalout,
diz acreditar que, ao menos do ponto de vista comercial, a prisão domiciliar de
Bolsonaro não deverá afetar as negociações sobre o tarifaço.
“Os Estados Unidos vão olhar para aquilo que interessa a
eles em matéria comercial. Bolsonaro nada mais é que um instrumento político
pontual. Quando os Estados Unidos fizeram a lista de exceção tarifária, fizeram
isso voltados para o que interessa às empresas e ao consumidor americanos. Não
fizeram focados na condição jurídica do Bolsonaro”, afirmou Kalout.
A menção à lista de exceção tarifária é uma referência à
relação divulgada na semana passada com quase 700 produtos brasileiros que
ficaram de fora do tarifaço. Segundo dados preliminares da Câmara de Comércio
Brasil-Estados Unidos (Amcham), as exceções correspondem a 42% de todo o volume
de exportações do Brasil para o mercado norte-americano.
Jana Nelson, especialista em Relações Internacionais pela
Universidade Georgetown e ex-subsecretária de Segurança e Defesa no Pentágono
para a América Latina, também diz avaliar que a prisão domiciliar de Bolsonaro
não afeta substancialmente a visão de Trump sobre o processo contra o
ex-presidente brasileiro.
“Na perspectiva de Trump, tudo se mantém igual. Ele já
achava, baseado em sua experiência própria, que o Bolsonaro é vítima de um
processo de politização do Judiciário. E o fato de que o processo judicial
(contra Bolsonaro) continua não necessariamente afeta a situação das possíveis
negociações, até porque as negociações não começaram”, diz Nelson à BBC News
Brasil.
Fonte: Magno Martins
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