Para a especialista em finanças Nathalia Arcuri, investir
não é luxo, mas necessidade. Ela defende que o acesso ao conhecimento
financeiro é instrumento de justiça social | Foto: Anderson Régis
O mais recente Mapa da Inadimplência e Negociação de
Dívidas no Brasil apontou que 77,8 milhões de brasileiros estão endividados.
Segundo Nathalia Arcuri, especialista em finanças, investir não é algo
exclusivo para pessoas ricas, mas uma estratégia essencial para melhorar a
saúde financeira, evitar o endividamento e promover um futuro sustentável.
Nathalia Arcuri veio a Natal para participar do evento
Conexão ODS, que reuniu especialistas para discutir estratégias voltadas à
Agenda 2030 da ONU. A educação financeira, segundo Arcuri, está diretamente
relacionada ao compromisso com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
(ODS) e ao futuro sustentável do planeta.
Em entrevista à TRIBUNA DO NORTE, Nath, como é mais conhecida por seu público,
deu dicas de finanças e discutiu temas importantes para sustentabilidade.
Muita gente ainda enxerga
dinheiro como tabu. Por que, na sua opinião, o brasileiro tem tanta dificuldade
de falar sobre finanças e de planejar o futuro?
A gente cresce escutando que o dinheiro não traz felicidade e que as pessoas
que ganharam muito dinheiro tiveram que fazer alguma coisa muito errada. Sem
contar as estruturas machistas e misóginas que a gente tem aqui no país e que,
principalmente para as mulheres, tornam ainda mais difícil falar sobre
dinheiro. É como se o dinheiro estivesse ligado muito mais ao masculino. Se uma
mulher quer ganhar dinheiro, é considerado mais do que ambição — é quase algo
feio, algo que não é tão permitido. Se você for olhar nas famílias, todo mundo
fala sobre o dinheiro quando ele é um problema. Eu falo sobre as minhas dívidas
e as coisas que eu gostaria de comprar, mas dificilmente eu falo sobre o
planejamento, sobre sonhos em conjunto e investimentos. O dinheiro está no
nosso dia a dia. O que a gente não consegue ainda falar, até porque não tem
linguagem e repertório suficientes para isso, é sobre como usar o dinheiro como
uma ferramenta de crescimento.
Você acha que educação
financeira deveria ser ensinada em todas as escolas do país?
Já existe, inclusive, diretriz na Base Nacional Comum Curricular que torna
obrigatória a presença da educação financeira nas escolas de maneira
transversal. Mas é claro que a gente deveria, sim, ter educação financeira. Só
que, antes de falar sobre educação financeira — principalmente quando falamos
sobre a rede pública de ensino no Brasil —, precisamos falar sobre o ensino
básico. A gente tem um número bastante relevante de alunos que deixam o ensino
médio sem ter conhecimentos, às vezes básicos, de Matemática e Língua Portuguesa.
Como a gente quer exigir de um sistema como esse a educação financeira? Se os
nossos alunos soubessem, pelo menos, Matemática, a gente já teria meio caminho
andado. Obviamente, a educação financeira deveria ser ensinada nas escolas, mas
a gente precisa fazer um grande dever de casa como país — e como política
pública relacionada à educação básica do país primeiro.
Você deixou uma carreira
sólida na televisão para criar um canal no YouTube que falava de um tema
considerado “chato” na época. O que te deu certeza de que valia a pena assumir
esse risco?
Quando eu pedi demissão do meu emprego estável, como jornalista numa grande
emissora, eu estava extremamente incomodada com a maneira como via que
abordavam finanças e educação financeira. Me incomodava demais aquela linguagem
muito difícil. E o que me motivou a criar coragem para abandonar tudo o que era
certo para mergulhar no incerto foi saber que aquele conhecimento que até então
eu detinha — e que aprendi muito sozinha, na raça — tinha o potencial de salvar
vidas. O que me fez ter certeza foi chegar ao dado de que a maioria das
mulheres que se submetem a relacionamentos violentos continuam debaixo do teto
de um agressor porque são dependentes financeiramente. Eu pensei que, se aquele
conhecimento que eu tinha pudesse chegar a essas pessoas, talvez elas também
pudessem ter a liberdade de escolha que eu tinha.
Por que é tão difícil para as
pessoas mudarem hábitos de consumo? O que é mais determinante: falta de
dinheiro ou falta de mentalidade?
Aqui no Brasil, a gente não é ensinado a ganhar dinheiro, a gente é ensinado a
dever dinheiro. O Brasil tem um povo extremamente devedor — não é à toa que são
mais de 70 milhões de inadimplentes no país. A gente precisa, de fato, mudar a
maneira como pensa, não só sobre o dinheiro, mas sobre a forma de ganhar
dinheiro e criar uma nova geração muito mais empreendedora e com conhecimento,
inclusive, para empreender. O Brasil carece de empreendedores por opção; aqui,
as pessoas empreendem por necessidade. E aí está a fórmula para dar errado,
porque se empreende só para sobreviver. Mas, na verdade, empreender é, talvez,
se não a única, uma das poucas maneiras que a gente tem de resolver a
desigualdade social no país.
Qual é o maior erro ou os
principais erros dos brasileiros quando o assunto é finanças?
Dificilmente as pessoas controlam o próprio orçamento. Não sabem quanto sai,
não anotam, não sabem quanto ganham — e isso é independentemente da renda. A
pessoa que ganha R$ 20 mil e a pessoa que ganha R$ 2 mil têm os mesmos comportamentos:
não sabem quanto ganham, nem quanto gastam, não enxergam aqueles pequenos
valores que vão saindo todos os dias. O parcelamento, hoje, no país, é um dos
grandes vilões. Esse hábito de consumir parcelado fez com que o Brasil criasse
uma legião de inadimplentes. E outra coisa: um erro terrível é não investir.
Hoje, a gente consegue investir a partir de R$ 1,00. A pessoa que conseguir
colocar R$ 30,00 todos os meses já está fazendo um bem tremendo para si mesma.
Esse dinheiro, ao longo do tempo, será multiplicado várias e várias vezes, com
investimentos muito simples. Não aprender a investir, pra mim, é um dos maiores
erros que as pessoas cometem hoje.
Muita gente ainda acha que
investir é só para quem tem muito dinheiro. Qual é o maior mito que você já
desmistificou quando o assunto é investimento?
Essa ideia de que só rico pode investir, na verdade, é o contrário. Quem é
pobre é quem mais precisa investir. Investir e usar os juros compostos, que são
aquela força incrível que faz o seu dinheiro crescer sozinho, é fundamental.
Aqui no Brasil, a gente tem investimentos que rendem muito, com baixo risco ou
até risco zero. Existem opções com a mesma segurança da poupança, mas que
rendem o dobro, com a mesma facilidade — só que essas opções ainda não chegam
para a maioria da população.
Diante de um cenário
econômico desafiador, qual é a principal habilidade que você acredita que todo
brasileiro deveria desenvolver para aumentar sua renda?
As pessoas subestimam muito a potência que é você se tornar um bom vendedor,
seja para conseguir mostrar o valor do seu trabalho para um empregador, uma
empregadora ou uma empresa; seja para criar um produto ou um serviço e
conseguir fazer isso chegar a mais e mais consumidores. Então, se eu tivesse
que destacar uma habilidade, seria: aprender a vender.
Você sempre defende a
autonomia financeira feminina. Por que esse tema é tão urgente no Brasil e
quais barreiras ainda precisam ser quebradas?
Aqui no Brasil, a gente ainda tem uma desigualdade muito grande em relação ao
acesso ao dinheiro. Para você ter uma ideia, as mulheres são melhores pagadoras
que os homens, mas, ainda assim, a taxa de juros para mulheres empreendedoras é
mais alta. Você vê como esse sistema é injusto? Além disso, quando a gente fala
de “dinheiro de risco” — ou seja, capital de investimento para negócios —,
menos de 5% das mulheres recebem esses recursos. Ou seja, entre todo o dinheiro
distribuído, menos de 5% vai parar nas mãos de mulheres.
A gente ainda tem, no Brasil, e talvez no mundo, uma grande concentração das
chamadas tarefas invisíveis, mas que são extremamente valiosas: a economia do
cuidado. As mulheres precisam cuidar da casa, trabalhar para dar conta das
contas, cuidar das crianças… É uma sobrecarga muito grande. Por isso, é
fundamental olhar com atenção para a questão de como fortalecer as mulheres e
também construir uma sociedade mais colaborativa, onde homens e mulheres atuem
juntos. Afinal de contas, ambos tiveram a mesma participação na criação daquela
família. Então, é justo que ambos tenham também a mesma participação na criação
dos filhos e nas tarefas domésticas.
Aqui em Natal, você participa
do Conexão ODS, que fala de desenvolvimento sustentável. Na sua visão, como a
educação financeira se conecta com a sustentabilidade?
Educação financeira tem tudo a ver com sustentabilidade, porque um dos ODSs que
a gente impacta diretamente é o consumo consciente. Hoje, estamos enfrentando
uma crise global de aquecimento do planeta. Vivemos períodos de tragédias
climáticas a todo instante, muito mais do que no passado. E já foi comprovado
que o planeta está mais quente e aqueceu mais rápido do que deveria. O
aquecimento que aconteceu nos últimos anos era o aquecimento previsto para
acontecer quase até a metade do século.
O consumir de forma consciente é urgente, não só para as suas próprias finanças
pessoais, mas também porque, ao favorecer uma economia circular, como comprar
de brechó, fazer trocas justas, reciclar o que você não usa, vender o que você
não precisa e, novamente, comprar produtos usados ou seminovos, você contribui
para reduzir o impacto no planeta. Isso diminui a sobrecarga de lixo e a
produção tóxica em várias formas.
Outra questão muito importante é o envelhecimento da população global. Estamos
nascendo cada vez menos e envelhecendo cada vez mais. Se a gente não poupar e
investir, teremos um futuro absurdamente insustentável, porque não haverá
pessoas suficientes para pagar a conta dos idosos. Não haverá jovens ou adultos
em capacidade produtiva suficiente para sustentar a previdência desses idosos.
Esses dois temas — o consumo inconsciente e a previdência para a longevidade —
são urgentes. A gente precisa começar a construir soluções hoje, porque até
2030, aqui no Brasil, teremos mais idosos do que crianças.
Depois de transformar a vida
financeira de milhões de pessoas, qual é o próximo passo da Nathalia Arcuri?
Onde você quer ver o Me Poupe e os seus demais projetos nos próximos anos?
Eu acredito que é continuar esse legado e expandi-lo. Afinal, são milhões de
pessoas, mas o Brasil tem mais de 200 milhões de habitantes. Então, precisamos
continuar crescendo esse legado e fazer com que a educação financeira que
oferecemos — acessível, divertida e democrática — chegue a quem ainda não teve
acesso. Além disso, tenho investido cada vez mais em causas sociais.
Recentemente, criei uma lojinha com camisetas, moletons e peças de roupas
feitas para durar. A ideia não é estimular o consumo, mas sim criar peças com
frases de poder para mulheres, sendo que 100% do lucro vai para duas instituições
de apoio a mulheres vítimas de violência doméstica. A gente tem a lojinha
Nathalia Arcuri, todo o lucro desse projeto vai para o Instituto GlorIA e para
a ONG Justiça.
Eu quero que o Me Poupe chegue cada vez mais longe, que a gente chegue nas
comunidades, nas periferias, nas pequenas cidades. E quem sabe até falarmos
outras línguas.
QUEM
Nathalia Arcuri é jornalista e especialista em finanças,
com mais de 20 anos de carreira. Ela é a fundadora da plataforma “Me Poupe”, a
maior plataforma de entretenimento financeiro do mundo, que visa ajudar pessoas
na gestão de suas rendas. Seu objetivo é ensinar, de maneira divertida e
descontraída, como fazer investimentos, gerar renda extra, impulsionar as
finanças pessoais e economizar dinheiro.
Autora de quatro livros, também foi vencedora do Prêmio IBCPF (Planejar) de
Planejamento Financeiro. Ela se dedica a oferecer educação financeira gratuita
por meio de cursos, buscando tirar milhões de brasileiros da inércia
financeira.
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