Por Cláudio Soares*
A recente decisão do Supremo Tribunal Federal, permitindo
que prefeitos, governadores e o presidente da República nomeiem parentes para
cargos de natureza política – como secretários, ministros e assessores diretos
–, representa um grave retrocesso ético e institucional. Embora a Corte tenha
considerado que tais funções não se enquadram na proibição de nepotismo, o
efeito prático é o enfraquecimento de um dos princípios mais básicos da
administração pública, a impessoalidade.
A justificativa jurídica é conhecida. Cargos de natureza
política pressupõem confiança pessoal e afinidade com o chefe do Executivo. No
entanto, essa distinção técnica não apaga a percepção social de privilégio e
favorecimento familiar. Ao autorizar a nomeação de parentes sob o manto da
“confiança política”, o Supremo acaba por institucionalizar uma prática que a
sociedade há muito condena, o uso do poder público para beneficiar laços de
sangue.
O Brasil tem uma história marcada pelo patrimonialismo –
a confusão entre o que pertence ao Estado e o que pertence à família do
governante. A decisão do STF, ao abrir espaço para a repetição desse vício,
sinaliza tolerância com um comportamento que mina a credibilidade da gestão
pública e desestimula o mérito.
Imagine a cena. Uma reunião de governo em que o prefeito
preside a mesa. À direita, a filha-secretária defende seu projeto com firmeza –
“pai, é melhor fazer assim!”. À esquerda, a esposa-secretária discorda – “amor,
acho que isso não vai dar certo!”. E, do outro lado, o filho, secretário de
Saúde, retruca: “não, mãe, quem decide sou eu!”. A caricatura ilustra o risco
de transformar o poder público em um verdadeiro “negócio de família”.
A aberração, que poderia ser apenas caricatural, torna-se
plausível, em uma reunião de gabinete, o prefeito, cercado pela filha
secretária, pela esposa assessora e pelo filho secretário de Saúde, toma
decisões que afetam toda a população. Nesse ambiente, o debate técnico se
dilui, e o interesse público se mistura à dinâmica familiar – o que jamais
deveria ocorrer em um Estado republicano.
O país precisa avançar na consolidação de instituições
que se sustentem pela transparência e pela competência, não pelo sobrenome de
quem ocupa o cargo. Ao relativizar o nepotismo, o STF não apenas fragiliza a
ética pública, mas também contribui para a desconfiança que corrói as relações
entre governo e sociedade.
Mais do que lei, a administração pública exige
moralidade. E é precisamente esse valor que a mais alta corte do país deveria
proteger, não flexibilizar e instituir um retrocesso disfarçado de legalidade.
*Advogado e jornalista
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