A prisão do ex-presidente Bolsonaro estava escrita nas
estrelas para esta semana. O acórdão, já publicado, com prazo para os segundos
embargos de declaração, terminou ontem. O relator deve rejeitá-los sem levar o
caso de volta à Turma, o que, segundo o que está documentado, abre caminho para
a execução da pena.
Não há possibilidade de embargos infringentes, porque
Bolsonaro não obteve dois votos pela absolvição. O rito estava definido, mas,
como sempre, ele e os filhos levaram Xandão, como é conhecido o ministro
Alexandre de Moraes, a antecipar a prisão, de forma preventiva.
A convocação de uma vigília para o sábado à noite, pelo
senador Flávio Bolsonaro, despertou ira em Xandão, mas não o suficiente para
antecipar a prisão. O que pesou de fato foi a tentativa de violação da
tornozeleira, confessada pelo próprio Bolsonaro, que usou um ferro de solda.
Independente do desespero de Bolsonaro, os filhos parecem algozes do pai,
porque são criadores de problemas, trapalhões, com atitudes muitas vezes
infantis.
E isso não vem de agora. Jair Bolsonaro mal havia vestido
a faixa presidencial quando aliados começaram a reclamar das ações de seus
filhos. O primeiro a se queixar em público foi o então ministro da
Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno. Acabou demitido antes de
completar dois meses no cargo.
Eleito por um partido de aluguel, Bolsonaro não tinha
quadros para montar o governo. Loteou a Esplanada entre militares e permitiu
que os filhos Flávio, Carlos e Eduardo interferissem à vontade na gestão
federal. Flávio, o senador, foi promovido a líder informal do governo no
Congresso. Carlos, o vereador, ganhou o comando das redes sociais do Planalto.
Eduardo, o deputado, quase virou embaixador nos Estados Unidos.
Terminou aboletado na liderança do PSL na Câmara, o que
deixou mais alguns bolsonaristas insatisfeitos pelo caminho. A defesa
incondicional dos filhos não foi bom negócio para Jair. A cada crise, o então
presidente viu aumentarem o desgaste público e o isolamento político. Os
herdeiros atrapalharam o governo e afastaram aliados. Agora ajudaram a antecipar
a prisão do pai.
Há três meses, a atuação de Eduardo levou o Supremo
Tribunal Federal a impor as primeiras medidas cautelares ao capitão. O deputado
fugiu para os Estados Unidos e passou a tramar contra as instituições
brasileiras. Convenceu a Casa Branca a baixar o tarifaço e presenteou o pai com
uma tornozeleira eletrônica — mais tarde convertida em prisão domiciliar.
No início da noite da sexta-feira passada, Flávio incitou
seguidores a se concentrarem na porta do condomínio de Bolsonaro em Brasília.
Em vídeo nas redes sociais, o Zero Um convocou uma “vigília” em favor do pai.
“Com a sua força, a força do povo, a gente vai reagir e resgatar o Brasil desse
cativeiro que ele se encontra hoje”, bradou.
Xandão não quis pagar para ver. Na madrugada do sábado passado,
decretou a prisão preventiva do ex-presidente para a garantia da ordem pública.
A decisão equiparou as ações da família Bolsonaro às de uma quadrilha. “O vídeo
gravado por Flávio Bolsonaro incita o desrespeito ao texto constitucional, à
decisão judicial e às próprias instituições, demonstrando que não há limites na
organização criminosa na tentativa de causar caos social e conflitos no país”,
anotou o ministro.
ALERTAS SEM EFEITO –
Ao longo de 2019, não foram poucos os aliados que advertiram o capitão para o
risco de dar tanto poder aos herdeiros. “O que está desgastando muito o
presidente são filhos com mania de príncipes”, disse em outubro o senador Major
Olímpio. “Esses moleques precisam de camisa de força. São um risco para o
Brasil e para o mandato do presidente”, emendou dias depois a deputada Joice
Hasselmann. Os alertas não convenceram Bolsonaro a reduzir a influência da
prole no governo. Ao contrário: ele ampliou o espaço dos filhos e afastou todos
os aliados que se queixaram — alguns deles, com requintes de crueldade.
Nas tetas –
Os filhos do presidente atrapalham muito, são o maior problema do governo”,
disse, na época, Gustavo Bebianno, poucos meses depois da degola da Secretaria
Geral da Presidência. E completou: “São mimados, nunca trabalharam na
iniciativa privada, nunca enfrentaram um ambiente de trabalho normal. Sempre
mamaram nas tetas do Estado”. Traduzindo: sem controlar com mão de ferro os
filhos, Bolsonaro cavou a sua própria sepultura. Na vida, tudo tem que ter
limites, especialmente em se tratando do poder.
Fim do bolsonarismo? – Cientistas
políticos e antropólogos que estudam a evolução do bolsonarismo desde 2018
afirmaram ao jornal O Globo que a maior privação de liberdade, devido à prisão
na superintendência da Polícia Federal, pode afetar o papel de Bolsonaro como
cabo eleitoral e aumentar o risco de fragmentação de seu campo. Na avaliação
dos especialistas, o ex-presidente “perdeu o timing” da definição de um
sucessor, o que ameaça a própria permanência do termo “bolsonarismo” para
caracterizar a oposição ao governo Lula (PT).
A diferença para Lula – A
cientista política Camila Rocha, diretora do Centro para Imaginação Crítica do
Cebrap, disse que a presença física de Bolsonaro já se mostrava relevante, por
exemplo, para atrair público em manifestações bolsonaristas. A passagem da
prisão domiciliar para o regime fechado, se confirmada pelo Supremo Tribunal
Federal (STF) ao fim do julgamento dos recursos do ex-presidente, pode acentuar
uma sensação de que sua imagem está “sumindo”. “Quando Lula estava detido em
2018, também em uma superintendência da PF, ele estava fisicamente bem de
saúde, as pessoas tinham acesso, ele deu entrevistas. Em relação a Bolsonaro, a
situação é diferente. Ele não está do ponto de vista de saúde muito bem e não
parece haver um grande apoio internacional, por parte de outras lideranças, em
relação a uma possível libertação”, comparou a pesquisadora.
odo mundo sabe o que ele fez
– Do presidente Lula ao ser questionado sobre a prisão do
ex-presidente Jair Bolsonaro: “Não faço comentário sobre decisão da Suprema
Corte. A Justiça tomou uma decisão, ele foi julgado, ele teve todo direito à
presunção de inocência, foram praticamente dois anos e meio de investigação, de
delação, de julgamento. A Justiça decidiu, está decidido, ele vai cumprir com a
pena que a Justiça determinou e todo mundo sabe o que ele fez”.
Perguntar não ofende: Bolsonaro ainda será um influente
cabo eleitoral em 2026?
por Magno Martins